Uma tradição antiga é atribuída ao califa Ali e foi citada por Tariq Ali em seu livro Confronto de Fundamentalismos: “O poderoso Alá criou o desejo sexual em dez partes: depois deu nove partes às mulheres e uma aos homens”. (ALI, 2002, P. 93). Com tantos desejos a sua disposição, a mulher no inicio da religião Islâmica, foi retratada como inadequada e perigosa. Segundo essa tradição, a distribuição dos desejos entre o masculino e o feminino permitiria tal poder as mulheres que se apenas uma entre elas desejasse fazer uso poderia abalar os alicerces do novo estado-religioso que estava surgindo. A capacidade de ser desejante foi identificada como um risco cultural, o “risco-mulher”. Para manter esse risco sob condições seguras – o desejo feminino desagregador – o Alcorão vai impor regras rígidas, estatutos punitivos e controle politico, público e privado que não permitirão instabilidade e caos.
Os homens têm autoridade sobre as mulheres porque Alá fez um superior ao outro, e porque eles gastam sua riqueza para mantê-las. As boas mulheres são obedientes. Elas guardam suas partes não-vistas porque Alá as guardou. Quanto aos de vocês que temem a desobediência, abandonem-nas em camas separadas e as espanquem. Então, se elas obedecerem, não façam mais nada contra elas. Certamente Alá é onisciente e sábio. (4.34)
Risco Mulher
Disfarçado de medo, o que assusta mesmo os homens é a sua fragilidade. Sem saber o que fazer diante do que considera inadequado no corpo feminino, é a fragilidade que vai convocar a divindade para providenciar a solução do seu problema e essa solução não e nem original e nem criativa. A interdição do desejo feminino tem como trabalho principal impedir que a potência dos seus corpos, uma das únicas formas de desconstrução da fantasia masculina, ajude a enfrentar o medo de uma sociedade poliândrica. Se a mulher puder exercer papel fundamental no comércio, logo ela fará isso na política, em outras áreas da vida e da cultura e finalmente no sexo. É assim que se articula o não-saber masculino em relação as mulheres. A divindade serve dar causa as fragilidades do homem, mas também é usada para decretar que a mulher só pode ser ousada na cama de um homem, não na sociedade. Isso não ficou sem protesto por parte de Aisha, primeira esposa do profeta, que afirmou: “Na verdade, vosso senhor se apressa a realizar vosso prazeres” ( ALI, 2002, P. 90).
A fragilidade por determinação, ordem ou por um imperativo se transforma na ideia de proteção à virtude feminina. A mulher é um cálice frágil que precisar ser guardado e cuidado. É um recipiente valioso que tem como principal função abrigar a vida e depois entrega-la aos proprietários. Assim, de forma velada, o verdadeiro objeto dessa vigilância cuidadosa é interditado. Um homem amedrontado pela potência do desejo da mulher necessita dessa certeza, mesmo que reconhecer sua fragilidade seja sua única salvação.
O medo do “risco-mulher” faz com que a estrutura masculina tente controlar a atividade sexual da mulher no primórdios do surgimento da região do profeta, determinando, principalmente, qual seria o espaço para a relação sexual. Na verdade o que se está tentando proteger não é a virtude da mulher, mas sim a fragilidade masculina, que velada, não pode circular na realidade objetiva, sob pena, para os homens, de um risco muito grande de perde o controle sobre a sociedade. Por esse motivo a mulher, antes uma guerreira respeitada no Islã é colocada sob tutelada e vigiada cuidadosamente, e a ela foi imposta condições morais, éticas e humanitárias para criar um espaço menos perigoso. O manejo apropriado desse espaço de afetos não permite que o desejo feminino circulação e ao mesmo tempo protege e mantem intacta a fragilidade masculina, ancorando-a em um suposto “risco-mulher”. O homem então poderia reclamar seu direito à propriedade de esposas e filhos.
A mulher, falada como cálice precioso, deve ser cuidada e protegida, mais protegida ainda quando tem o poder de gerar vida. Mas sua verdadeira função é ser apenas recipiente, um depositário para procriação masculina. Mesmo o exemplo das primeira mulheres do Islã como Aisha não consegue fazer emergir a fragilidade masculina no imaginário cultural como alternativa a agressividade. Silenciadas pela força do patriarcado que faz parecer ser importante o que é vital, ao mesmo tempo que decreta o Cali-Se a toda mulher.