A palavra, na literatura e na psicanálise, é sempre mais do que parece. Para Manoel de Barros, ela se transforma em objeto vivo, barro que se molda e se desfaz, descompõe-se par renascer em outras formas.
A palavra não é neutra, não se dobra ao uso cotidiano; ela é disruptiva, escapa da norma, inventa mundos a partir de sua própria matéria. Guimarães Rosa, em sua travessia pelo sertão, desmonta a linguagem para remontá-la de acordo com o ritmo da vida, do desejo, do sangue e da terra. Em seus neologismos, em sua sintaxe que se dobra sobre si mesma, a palavra é ponte para o inefável, portal para o impossível de ser dito. Clarice Lispector, por sua vez, torna a palavra sonda e espelho da subjetividade. Cada frase carrega uma tensão, um abismo: ao lê-la, a consciência se vê refletida e fragmentada, obrigando o leitor a habitar o espaço da dúvida, do silêncio e da intensidade.
A Palavra como Matéria Viva na Literatura
Na literatura, a palavra constrói e desconstrói, é ato de invenção e de revelação, provocando fissuras no sentido que o habitual impõe. É no entremeio dessas fendas – no entre, escreveu Barthes – que o escritor encontra sua potência criadora. Mas essa mesma palavra que, na literatura, se faz ponte e ruína, é também o motor do inconsciente na psicanálise. Freud nos ensinou que o inconsciente se manifesta pela linguagem: os lapsos, os sonhos, as associações livres não são acidentes, mas falas do desejo que o sujeito não domina. Lacan, mostrou que, para Freud, o inconsciente é estruturado como uma linguagem, e que a cadeia significante, o fluxo incessante das palavras, elimina a ilusão de unidade do eu.
A associação livre, método central da clínica, consiste em permitir que cada palavra, cada desvio, cada repetição, abra as portas do que está recalcado.
Assim, a palavra opera em ambos os campos: cria mundos literários e, simultaneamente, revela mundos psíquicos. Ela é invenção e análise, fenda e espelho. Para o poeta, a palavra se dobra, se alonga, se mistura com o barro, com o sertão ou com a substância do silêncio. Para o analista, ela é sinal, vestígio, pista do desejo e do gozo. Entre literatura e psicanálise, a palavra é um organismo vivo, incontrolável….