Por Flávio Adriano Nantes
Acabaram de me perguntar qual meu posicionamento sobre a calourada, depois do crime brutal contra a estudante de jornalismo Janaína da Silva Bezerra, 22a, na Universidade Federal do Piauí. Eu não sou absolutamente nada contrário à calourada ou a qualquer outra confraternização entre o alunado. O que precisa ser discutido nos âmbitos público e privado são as possíveis razões que levam um aluno (leia-se homem; leia-se sempre um homem) a matar, estuprar, fotografar, filmar, a colega que comemora a entrada na universidade.
Este aluno, o estuprador que atuou de forma vil, é um sujeito moldado, criado à imagem e semelhança do patriarcado: sistema social que confere às mulheres o lugar da abjeção e do ódio Neste sistema (talvez cistema seja mais adequado) o homem pode tudo, pois tudo pertence a ele, inclusive os corpos das mulheres.
O que deve, então, ser proibido ou pelo menos combatido é o modus operandi do patriarcado e a capilarização desse sistema nas esferas pública e privada.
Há outro ponto que quero tratar aqui – o patriarcado eclesiástico, i.e., a submissão das mulheres em relação aos homens, elemento ainda fortemente vigente em determinadas religiões. É o patriarcado eclesiástico empreendido no interior das religiões que engendra o lugar de desqualificação, de menos valia, de segunda categoria, para as mulheres. É um sistema cruel, desumano, cujas raízes se perdem no tempo e espaço; está travestido de mantenedor da família, da ordem, da moral, dos costumes que devem a qualquer custo ser preservados. É o patriarcado eclesiástico cultivado no púlpito de determinadas igrejas que limpa o pó das armas ou amola as facas que serão utilizadas na matança de mulheres. O patriarcado tem apenas uma função: manter o poderio do homem (cishétero) sobre os outros.
Do autor deste crime hediondo nada sabemos, mas lidamos com o patriarcado/patriarcado eclesiástico todos os dias; e foi ancorado a este sistema que o assassino empreendeu seu crime.
Janaína, assassinada nos limites do campus da UFPI, que poderia ter sido minha aluna (e eu fico mortificado), teve sua vida destruída e certamente a de seus pais também pelo assassino em conluio com o patriarcado.
Desejo profundamente que minhas alunas festejem, dancem, bebam (se quiserem), façam sexo (se quiserem e com quem quiserem), comemorem suas conquistas e a vida, vestindo a roupa que quiserem, sem que nenhum homem as ameace, as injurie, as violente, as estupre, as mate.
Flávio Adriano Nantes