Por Sami Nayef
Na outra parte do globo um semblante duplo foi introduzido. Nele a mulher pode gozar de liberdade e frequentemente esse é o argumento usado para demonstrar que na cultura judaico-cristã a mulher não seria uma serva, uma escrava sem direitos ou desejos, um produto de segunda categoria que pode ser usado como moeda econômica, como na cultura islâmica. Ela está “livre” no ocidente. Gozando de liberdade, logo poderia a mulher pode desejar. Mas a religião judaico-cristã marca de forma radical a vida da mulher nos primórdios da caminhada dos hebreus em direção a novas terras.
“Como os Kurgans, que vários milênios antes varreram a Europa Antiga, as tribos hebraicas que invadiram Canaã, vindas dos desertos do sul, eram invasores periféricos que trouxeram consigo seu deus da guerra – o feroz e ciumento Iahweh, ou Jeová. Em termos de tecnologia e cultura, eles eram mais avançados que os Kurgans mas, à semelhança destes indo-europeus, eram também dominados por homens guerreiros extremamente violentos. Passagem após passagem do Antigo testamento, lemos como Jeová dá ordens de destruir, pilhar e matar – e como essas ordens são obedecidas com fidelidades”. (Eisler, 2007, p. 150).
Avançando sobre Canaã eles impõe ao povo que ali habitava uma nova ordem. Referências antropológicas e também as do cânon judaico-cristão apontam que antes dos hebreus se vivia em uma ordem matrilinear na região e a partir de sua chegada essa ordem é subvertida e é imposta uma ordem patrilinear. Assim como o profeta do Islã recebeu ordens especificas e as comunicou a uma das suas esposas, o Antigo Testamento apresenta também ordens e leis que são comunicadas pela casta masculina:
“Se um homem encontra jovem virgem que não está prometida, e a agarra e se deita com ela e é pego em flagrante, o homem que se deitou com ela dará ao pai da jovem cinquenta siclos de prata, e ela ficará sendo sua mulher, uma vez que abusou dela. Ele não poderá manda-la embora durante toda a vida”. (Deuteronômio 22:28-29)
Leis elaboradas sem a participação de mulheres passaram a conta-las como se contam os bois, cabras, camelos e pedaços de terra. A prerrogativa masculina é a de usar a mulher como uma propriedade. O cenário não é promissor e a mulher deve aprender o seu lugar e a partir dele se conformar com uma posição onde sua importância é relegada a um ativo econômico. Como isso não pode ficar explicito, os legisladores criam leis para que a mulher seja valorizada por suas virtudes. Um sistema legal de costumes e leis sexuais “morais”, como feito na outra grande religião monoteísta, demostra que o velho mundo deve ser deixado de lado para trazer progresso e ética, mas esse mesmo sistema é rígido com a mulher e surpreendentemente condescendente com o homem.
Essas leis sexuais “morais” aparecem em Deuteronômio 22:13-21 informando os motivos para matar uma mulher que não é mais virgem, sob pretexto de “prejuízo” e “desonra”. A mulher é inadequada e perigosa., e os males estão com ela e supostamente ela seria a raiz dos males.
“… uma mulher que se comporta como uma pessoa sexual e economicamente livre é uma ameaça a todo o tecido sócio-econômico de uma sociedade rigidamente dominada pelos homens. Tal comportamento não pode receber o consentimento geral sem que todo o sistema social e econômico entre em colapso. Por isso a necessidade de uma fortíssima condenação social e religiosa e uma punição radical”. (Eisler, 2007, p. 153)
Caos, instabilidade, inadequação são elementos predominantes na mulher segundo os dois grandes sistemas religioso-econômico monoteísta. Suspostamente é isso que cria as condições para muitos males. Esse é o sistema que ainda resiste e influencia a vida na sociedade na maior parte dos séculos Um sistema tão elaborado que resiste a tantos séculos pode ser indício de que existiu um outro sistema em algum ponto da história onde a mulher realmente poderia ser livre?