Por Sami Nayef
O clássico de Freud “A Interpretação dos Sonhos” começa com a citação virgiliana “Eu moverei as regiões infernais”. Essas regiões nunca fizeram o favor de nos deixar, pertencem ao domino do inconsciente. Mas isso não afasta o fato de que em algum momento precisaremos encarar – não como quem encara o abismo de frente e pode acabar sendo engolido por ele – o subsolo dos não-ditos e dos silencio que se instalam na linguagem. A linguagem falta, a liberdade falta.
Tanto uma quanto a outra aprisiona o sujeito na arquitetura do seu tempo. Esse é o “ACHERONTA” que pretendemos enfrentar. Não devemos temer olhar para esse subsolo de fundamentos das nossas vidas, devemos, como escreveu o filosofo Slavoj Žižek, perturbá-lo, descendo o mais profundo possível.
A monumental antítese Superos/Acheronta só pode ser deslocada no inframundo. Assim como fez o poeta latino narrando as palavras de Juno para Jupiter: “flectere si nequeo Superos Acheronta movebo” (VII livro da Eneida, verso n2 312).
A realidade em disputa no presente encobre um tipo de acordo. Ele é expresso sutilmente como se fosse a percepção de liberdade. Ele nos faz nos “sentirmos livres porque nos falta linguagem para articular nossa própria falta de liberdade”. Estamos prontos para aceitar, como no acordo entre troianos e latinos, a “liberdade do cansaço”. Como Juno precisamos de coragem para mover o inframundo e descer à essas profundezas, ou concordamos com o acordo e continuar vivendo como se fossemos livres, sem conseguir colocar em palavras nossa total falta de liberdade e a angústia que nos afeta.