Por Sami Nayef
‘A Religião tem o poder de nos sepultar várias vezes’.
A leitura de ‘Proclamem nas montanhas’ faz imaginar, por um instante, como seria um mundo sem ‘a religião’. Se ela não nos atravessasse como atravessa, não nos marcasse como marca e não impregnasse tudo, como seria?
Religião é um tipo de poder e como poder é sustentado por uma ideia interventora que diz NÃO! (ao gozo). Lacan afirmou ser ‘impossível imaginar quão poderosa é a religião’ (LACAN, 2005, p. 65), mas no primeiro livro de James Baldwin é possivel explorar e imaginar, mesmo que seja dificil, e tentar formular alguma questão sobre como ‘a religião’ consegue nos sepultar várias vezes durante a vida.
John, a personagem principal, vive em um bairro pobre de Nova York onde geralmente está o povo negro. Ele parece estar destinado a se tornar um pregador como seu pai. Mas John está além. Ele quer outro lugar, quer desejar, questionar, entender… ‘Proclamem nas montanhas’ tece e destece a teia do racismo estadunidense que se disfarça em um tipo de religiosidade asséptica que tem na pureza sua maior característica.
John frequenta reuniões, cultos, faz trabalhos para os santos, mas não compreende a metafisica indecifrável para um adolescente. O jovem experimenta a dor de crescer confrontado pelo simbólico que reafirma: “eu me recuso a saber, eu não quero ouvir, qualquer coisa sobre seus modos sujos e secretos de gozo”; sofrimento e luta escorrem pelas letras contidas nas 270 páginas do livro, onde Baldwin faz lembrar do triunfo da religião sobre todas as coisas.
James Baldwin foi uma das vozes mais poderosas do movimento negro americano, mesmo não se considerando um ocidental. Ser negro de corpo franzino e gay não impediu que sua genialidade continue a influenciar gerações por meio da literatura. Dividido em três partes ‘Proclamem nas montanhas’ mostra com profunda sensibilidade como ‘a religião’ pode nos sepultar várias vezes antes mesmo de encontramos o inevitável.