Por Flávio Adriano Nantes (de cores, poesia e outros elos)
“amar” escreveu Paulo Leminski “é um elo entre o azul e o amarelo” e se o poeta estivesse entre nós me permitiria acrescentar o verde-vermelho a seu poema-cor, poema-amor, cor-amor, e assim alterar a semântica das cores, ressignificar os engendramentos dos afetos, distensionar o rancor, a dor…
acerca da semântica das cores: vermelho vs. verde-amarelo, estou pensando no atual cenário político brasileiro e de como ele vem se estendendo desde 2016, mas que antes, lá em 2013, começou a despertar o patriotismo na população que se vestiu de verde e amarelo e tomou às ruas de todo Estado-nação para xingar a presidenta Dilma Rousseff que à época estava exercendo seu primeiro mandato.
as ruas hoje estão muito semelhantes àquelas dos antigos protestos apoteóticos de 2013. quais eram de fato as reivindicações? os 20 centavos de aumento do transporte público? parece-me que não, pois tempos depois, Rousseff sofreu um golpe de Estado, solapando vertiginosamente nossa frágil democracia; e “a partir daí todas as rédeas cederam”, cf. aprendi com o cara que estudo há mais de 20 anos, Raduan Nassar, e o conjunto de sua obra.
Tiraram Dilma pelas pedaladas fiscais (aprovadas no parlamento logo após o golpe), mas mantiveram no poder um homem que xinga, grita, esculacha, faz apologia à ditatura, à violência e, por conseguinte, à morte; mantiveram no poder um homem sem o menor traquejo político-social (eu gosto de modalizar) que tripudiou da memória dos mortos, nunca se comportou como um estadista ou governo de uma nação. Mantiveram, em suma, um criminoso no poder.
voltando aos protestos nas ruas, depois do resultado das eleições do último domingo, os de camisa verde e amarela que estão gritando, pedindo intervenção militar, rezando (ou orando) aos prantos, obstruindo as ruas, agredindo opositores, destruindo veículos alheios, entre outros crimes (refletindo as práticas de seu líder), não agem contra a corrupção nem lutam por um país melhor, justo e equânime; estão lá numa prática criminosa porque sabem que no governo Lula pretos, indígenas, bichas, pobres, mulheres (cis e trans), migrantes, entre outros sujeitos, têm direitos que serão levados em consideração; estão lá porque não suportam ver nos aeroportos nordestinos de chinelas havaianas, rindo alto, indo visitar os parentes em São Paulo; não suportam o filho do porteiro sentado ao lado de seus filhos, estudando em um dos cursos que historicamente pertenceu aos brancos donos de tudo (Conceição Evaristo).
os de camisa verde e amarela estão gritando por democracia, mas é mentira, eles não suportam a democracia. não suportam uma bicha, filho de lavadeira de roupa e pintor de parede, ser vista como uma autoridade na área de pesquisa em que atua. essa bicha sou eu. me tornei prof. de uma universidade federal com o programa de expansão das universidades federais, o reuni.
não, definitivamente não é pela corrupção. as eleições foram democráticas e justas e têm teor memorialístico. poderiam ter sido com a diferença de dois votos e não dois milhões porque elas resguardam em si a memória de Marielle Franco; a memória de Genivaldo de Jesus Santos, cidadão negro assassinado numa espécie de câmara de gás, pela polícia rodoviária federal, em plena luz do dia e aos olhos de todos (essa mesma polícia hoje está ajudando, segundo denúncias, esses protestos criminosos); a memória de milhares de compatriotas brasileiros mortos pela Covid 19.
não sou contra estar nas ruas, pelo contrário, a rua é o espaço de legitimação do poder popular, mas não posso aceitar a farsa que se constitui nos limites dos protestos dos que vestem verde e amarelo, pois não é pela democracia, como os de 2013 tampouco o eram.
eu vislumbro a poética das cores de Leminski, pluricolor, multicor: a congregação da democracia em todas as cores.
não quero mais adiar o término, mas um último adendo: o vizinho (alguém que nunca trocou meia palavra comigo) me para no elevador e coloca a mão no meu ombro e me parabeniza por meu candidato haver vencido as eleições (o adesivo no carro); havia um tom do tipo: veja o que você fez! olha como está o nosso país! você é culpado! no susto do f(ato), apenas disse: embora eu vote em Lula da Silva desde os 16 anos, e seja um leitor assíduo de teorias políticas e literárias, sou o primeiro a criticar uma atuação política que não leve em consideração toda a população; agradeci e fui…
eu visto vermelho desde sempre e minha bandeira é também verde e amarela.