Por Sami Nayef
Despertar e ser um vaga-lume. Eu ainda vibrava com a inocência que cercava meu mundo. Olhava curioso para a beleza e as contradições que emergiam e pensava: “é belo, é feio…” Eu tinha a mesma idade que você agora, 14 anos, estava no caminho para chegar aos 15 anos que era o momento em que alguma coisa mudava para todos nós naquela época. Acredito que hoje não seja mais assim, mas você verá esse momento é poderá dizer algo sobre ele. O desencanto tomou conta de mim com uma força que eu desconhecia, filho. Era algo inesperado para mim. Eu não sabia que seria daquela forma, que sentiria com aquela intensidade. De repente, o desespero! Rumores de uma guerra que iria acontecer muito longe de mim me cercavam como a última hora da noite. Tudo escureceu rapido quando a primeira bomba caiu ao vivo na TV. Era fevereiro de 1990.
Respira…
Só você sabe como está sentido o mundo enquanto tenta lidar com ele. A perda de uma pessoa querida inesperadamente pode ser como uma bomba caindo. Você se frustra, sente raiva, não vê sentido e ainda precisa lidar com a vida que vai perdendo a inocência mais rapidamente do que você deseja. A névoa insiste em não se dissipar e vai ficando cada vez mais cinza. Suas próprias certezas se foram enquanto você ouve seus professores, sua mãe e seu pai.
Respira…
Eu bem queria te proteger das noites de insônia – eu as experimentei quando tinha a sua idade – mas não posso! A única coisa que posso fazer é te amar enquanto essas noites não ficam passado. Talvez você chore, talvez não. Se sua mãe te disser “É a idade, Sayid. Vai passar.”, ela provavelmente tem razão. Mas e o vazio? Bom, agora que você olhou para ele mais de perto inverta o movimento acelerado da inocência desaparecendo. Do vazio você não pode escapar, então, lentamente, afaste-se e o mantenha sempre por perto, você vai precisar olhar para ele muitas vezes na vida.
Respira…
Meu filho, meus poucos amigos são como vaga-lumes me guiando a outros mundos. Por isso resisto. Viver é resistir. Não deve ter feito muito sentindo quando te falei essas palavras no momento de uma conversa mais séria e dificil. Mas você verá, Sayid, que os resistentes transformam-se em vaga-lumes. Os vaga-lumes são cada vez mais raros nesse mundo de luzes e polifonias intermináveis nos celulares, TV, tablet, computadores… Apesar de tudo isso você, tenho certeza, irá refazer o caminho do encanto e se encantar com sons, cheiros, sabores, palavras, corpos, gentes e “sobrevivências”. Você, meu filho, vai sentir os lampejos de inocência mesmo quando tiver mais de 50, 60, 70 anos.
Respira…
Não acelere muito meu filho. Não peça para o tempo passar rapidamente. Não se imagine no futuro tão cedo. Quando a gente abre e fecha os olhos, não percebemos, mas o instante se foi. O tempo é um tipo de pra sempre. Eu, que demorei para entender isso, pra sempre vou lembra da poesia de Juan Ramón Jiménez enquanto vejo você crescendo:
Não corra. Vá devagar,
onde você tem que ir
é só você!
Vá devagar, não corra,
que o filho de você mesmo, recém-nascido
eterno,
não posso seguir você!
Se você for rápido,
O tempo voará diante de você, como uma
borboleta esquiva.
Se você for devagar,
o tempo irá atrás de você,
como um boi manso.
Juan Ramón Jiménez, poema Eternidades 1918 (XXXVI)
Respira…
Pra ler quando crescer ou quando quiser “A Sobrevivência dos Vaga-lumes
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