Lacan, no Seminário VIII, conta uma história que nos ajuda a pensar sobre o amor:
“Imagine que você vê à sua frente uma bela flor ou uma fruta madura. Você estende a mão para agarrá-la. Mas no momento em que você faz isso, a flor, ou o fruto, explode em chamas. Em seu lugar, você vê outra mão aparecer, estendendo a mão para a sua. (Seminário VIII, p.52; p.179).
É claro que existem muitas formas de analisar essa história e Lacan vai se alimentar dos temas contidos nela por 50 anos para falar sobre o amor. Mas quero me deter no aspecto extraordinário e misterioso do surgimento do amor. O amor é uma explosão que muda tudo! Essa explosão é tão extraordinária e misteriosa que parece surgir do nada. Para além do sentimento de estranheza que a história contada por Lacan possa causar, ela demonstra a possibilidade de que diante de algo tão extraordinário ficamos no vazio, mas continuamos pensando que algo pode ser demostrado ou dito. Lacan falou sobre o amor desse lugar indefinido, dessa impossibilidade de representação:
“O amor é uma pedra que ri ao sol” (Escritos, 508; Seminário III, p.226)
“Amar é dar o que não se tem” (Seminário V, 7 de maio de 1958)
“O amor nada mais é do que um ditado, enquanto acontecimento. Um acontecimento sem manchas” (Seminário XXI, 11 de junho de 1973)
O vazio é a forma de chegar um pouco mais próximo do extraordinário e misterioso amor que está em toda parte. Quando olhamos para o infinito percebemos esse vazio, mesmo sabendo que há planetas, galáxias e outros universos por aí, se você conseguir perceber o universo em toda a sua magnifica grandeza, você também perceberá o vazio e é um grande vazio, segundos os estudiosos da física quântica. Eles não se cansam de afirmar que no universo, no meio desse vácuo todo, existe uma ideia de harmonia e equilíbrio e que o que sustenta essa harmonia e equilíbrio é um vazio, um vazio equilibrado, mais precisamente. É interessante pensar como o amor é antagonista dessa ideia. A ideia de harmonia e equilíbrio não lhe cabe, por ser ele a explosão que desequilibra tudo. Por um instante vislumbre o universo se deleitando na calma, no silencio, na serenidade, na inércia… nada pode afetar esse estado pleno de equilíbrio por bilhões de anos. Mas, de repente, algo se aproxima e rapidamente perturbar a calmaria. É nesse instante, que, segundo os físicos, “coisas particulares tendem a aparecer”.
O amor tradicional, romântico e os com outros adjetivos ficam tão desinteressantes diante da ideia de que a explosão extraordinária e misteriosa perturbou o sossego do universo, o desalinhou e o modificou de tal forma que “coisas apareceram “. Não tenho a pretensão de afirmar que os outros amores não são uma possibilidade, sim eles podem ser! As pessoas falam sobre isso o tempo todo, mas estão apenas falando de semblantes. O amor, o necessário, como estou tentando articular, é a tempestade, o desastre, a perturbação, que altera você e o outro. Ele é subversivo, no sentido de um rompimento com qualquer harmonia ou equilíbrio que se deseja alcançar.
O amor apreciado dessa maneira, como grande perturbador da paz do universo, faz perceber que alguma coisa que não deveria ter acontecido, aconteceu e o amor é a prova desse algo terrível que desequilibrou tudo. Então, quando amamos, pelo menos da forma como estou articulando o amor, será preciso admitir que se está diante do maior erro do universo, porque o amor é a catástrofe que perturba a harmonia de uma vida de costumes e rotina.
O amor é um ato de fé radical, que no instante que apareceu causou uma explosão, um desastre na ordem cósmica harmoniosa e equilibrada. O universo não teve como deter esse outro subversivo. Teve que admitir a ruptura que foi causada na ordem estabelecida para que as coisas pudessem, vir a existência, aqui e ali, como dizem os físicos. É como um dos versos de Os Irmãos Karamazov de Fiódor Dostoiévski, onde algo está preso, mas decide se libertar e com coragem se jogar no vazio rumo ao desconhecido.
Não há possibilidade de alcançar a liberdade – costuma-se pensar que liberdade é fazer o que quiser, ter autonomia individual ou se autodeterminar, mas isso é apenas ilusão. Só somos mais livres quando reconhecemos nossa falta de liberdade – quando não se compreende que ao lançar seus termos, o amor, exige uma ruptura com o estado normal de todas as coisas, para que a seguir perturbe e desequilibre tudo.
É preciso acreditar e insistir nessa ideia até que o amor mude tudo. Começando pela linguagem que expressa suas noções como “Eu amo o mundo”, ou “Eu amo todos vocês” ou ainda “Eu te amo mais do que qualquer outra coisa”, para algo menos violento. É preciso amar até as últimas consequências, até que não possamos mais encontrar soluções e fiquemos sem saída, como o universo. Nesse momento a explosão vai acontecer e coisas novas poderão surgir.
Continua…