Por Flávio Adriano Nantes
O ex presidente da república, hoje inelegível, conforme decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), de forma execrável e inescrupulosa, cuspiu na estátua (busto) de Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar brasileira, regime político que sequestrou a democracia da nação entre 1964-1985. Ao cuspir na estátua do deputado, o ex presidente inelegível cuspia não apenas nos processos democráticos que regem um país, mas também nos direitos humanos, na liberdade de expressão (desde que não seja criminosa), na memória daqueles que foram sequestrados, torturados e assassinados pelo regime cívico-militar, na cara daqueles que perderam seus familiares que sequer foram sepultados. A atitude do inelegível é grotesca, covarde, inapropriada, espúria, indigna. Um comportamento inadequado para quem ocupa um cargo público que deve, antes e acima de tudo, zelar pela democracia do Estado-nação.
No entanto, há uma parcela da sociedade brasileira – aquela que não “acredita” na existência da ditadura (ou afirma que foi o melhor período do Brasil pela ausência de corrupção e crimes), renega a ciência, afirmando que a terra é plana, ficou acampada em frente aos quartéis, incitando um novo golpe de Estado, apoia os atos escabrosos do ex mandatário, “defende” deus, pátria, família, – bastante incomodada com a indicação da atriz Fernanda Torres ao Globo de Ouro e, claro, por ela ter sido a grande vencedora, entre as atrizes Tilda Swinton, Angelina Jolie, Nicole Kidman, Kate Winslet. Devo mencionar também o boicote empreendido, por esta mesma parcela de “patriotas”, nas redes sociais, apps e outras ferramentas de comunicação, ao filme Ainda estou aqui, de Walter Salles, adaptado do livro homônimo, de Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva.
Fernanda Torres tem absoluta razão: as coisas das artes permanecem. Elas resistem ao ódio, à violência, à violação dos direitos humanos, às atrocidades… ao abjeto cuspe de J. Bolsonaro.
É certo que a arte não tem, nem de longe, esta função, mas ela se vingou. O filme Ainda estou aqui tornou-se um grande vingador. Vingou não apenas a família dos Paiva, senão todas aquelas que sofreram com as mazelas da ditadura militar brasileira. Vingou e colocou, pela primeira vez na história Brasil, o ouro, o prêmio de melhor atriz, nas mãos da brasileira Fernanda Torres.
Eu não poderia deixar de apontar aqui outra vingança: o livro de Marcelo Rubens Paiva só foi possível ou ganhou forças devido à Comissão da Verdade empreendida pela presidenta da república Dilma Rousseff, em 2012. Dilma, presa e torturada durante o militarismo, também deve estar se sentindo vingada.
O Ouro (Globo de Ouro) de Fernanda Torres, de Walter Salles, de Marcelo Rubens Paiva, do Brasil, não é de tolo, é de amor, de democracia e de vingança. Ouro de tolo, penso, é se intitular patriota e tentar boicotar a produção artística brasileira; é afirmar que deus está acima de todos, mas elencar quem por ele é escolhido para ser amado; é se dizer patriota e ferir o que há de mais precioso numa nação: a democracia.
E, sim, Fernanda, a vida presta, e muito. Com você e seu trabalho, mais ainda.
*Este texto não detém nenhum rigor de escrita, pois foi articulado no calor da emoção e da vingança.
(Flávio Adriano Nantes é professor, pesquisador e escritor)